segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O SENHOR DOS ANÉIS - ANÁLISE JUNGUIANA 2 | Marcadores: Convidados, Psicanálise e cia.



 

ANÁLISE DO FILME "O Senhor dos Anéis / A Sociedade do Anel"; PARTE 2

Por Rangel Roberto M. Fabrete
CRP 06 / 77.328




MORIA , MOÏRAS E MORIÁ

Começa a jornada da Sociedade do Anel. Como todo início de jornada, pressupõe-se um período de preparação para se enfrentar os obstáculos da longa estrada da individuação. E tal período durou 40 dias  de viagem  pelas montanhas sombrias, número de dias este que remete ao período de  transformação, vide as  referências bíblicas, tal como o povo hebreu no deserto, Elias em sua caminhada e Cristo em seu jejum no deserto.

Em meio a este período de preparação, Gandalf era o mais cauteloso, provavelmente pelo fato de o Velho Sábio, ter a visão e o discernimento a respeito do futuro da Sociedade, e principalmente o seu individualmente. O Velho mesmo sendo rico na intuição, ainda temia seu futuro, sua demanda interna e sua transcendência. Gandalf e os outros logo percebem que não estão sozinhos. Pois os corvos, espiões de Saruman, os observam e vão ao encontro de seu senhor relatar. Gandalf estava temeroso quanto a sua segurança e a de seus amigos, tentou conduzir o grupo por um caminho onde não fosse necessário passar pelas Minas de Moria.

O mago cinzento temia  confrontar a obscuridade de um tempo muito antigo, e fez o possível para não irem na direção das Minas dos anões. Mas quando o ego se rebela contra a soberania do Inconsciente, este se utiliza dos recursos os quais bem entender para colocar a consciência em seu devido lugar; o caminho doloroso porém glorificador da individuação. Vejo aqui a soberania do Inconsciente frente a consciência, indiscutivelmente.

Saruman, a sombra de Gandalf, vem pertubar os planos obstinados do ego. E provoca uma avalanche na montanha, impedindo a Sociedade de progredir rumo a sua derrota. Pois o grupo estava tomando o rumo no qual não passaria por Moria, e se o grupo não iria passar por Moria, não iria ultrapassar importantes obstáculos necessários do processo de individuação.

Ao chegar na frente do portão das Minas, Pippin começa a jogar pedras na água. Eis um gesto simbólico de acordar as forças das profundezas, ocultas em todos nós. Tanto que o mesmo é repreendido na mesma hora: "Não perturbe a água!". Um polvo gigante sai da água e avança contra a Sociedade, um prenúncio do que estava por acontecer com o velho mago.

Passada a ameaça aparente, todos entram nas Minas. Sentam-se para descansara um pouco e um interessante e importante diálogo ocorre entre Gandalf e Frodo. O velho mago conta que os anões de  Moria cavaram profundamente em busca de riquezas. E por conta disto, acordaram o Mal. Fica clara aqui,a ganância dos anões. Os anões foram vítimas de sua própria ganância, foram destruídos por ela. Quando o ego se distancia dos objetivos propostos pelo Inconsciente, acaba por cair nas garras hostis e destrutivas  do mesmo, no caso aqui simbolizado pelos orcs e pelo Balrog, responsáveis pela destruição dos anões.

Cinzento conta que o Gollum está seguindo o grupo há 3 dias. Ele diz a Frodo que Gollum ama e odeia o anel. Frodo diz que foi uma pena Bilbo não ter matado Gollum quando pode. Gandalf responde: "Pena? Foi a pena que segurou a mão de Bilbo. Consegue entender isto? Muitos que vivem merecem morrer. E muitos que morrem merecem viver. A piedade de Bilbo pode governar o destino de muitos. Bilbo foi destinado a encontrar o Anel, e você destinado a carregar o Anel. Gollum ainda tem um papel a cumprir."

Toda esta fala de Gandalf é muito importante, pois fala  a respeito de destino. E de como Bilbo e Gollum, ambos estavam destinados a cumprirem seus papéis, em toda  a obra de Eru. Ou seja, como todos estamos predestinados pelo Inconsciente a cumprir nossos objetivos.

O nome de local onde  a Sociedade se encontra agora, não poderia ser mais sugestivo, Moria. Tal nome  têm uma grande semelhança com o termo Moira, mais precisamente Moiras. Não sei se foi intencional da parte de Tolkien ter dado o nome Moria, pela semelhança com o termo Moiras, ao local onde se localiza as Minas dos anões. Os acontecimentos dentro das minas e anteriores a chegada do grupo, deixam clara a ação das Moiras, trabalhando nas ocorrências das sincronicidades.
"…A palavra  grega moîra provém do verbo meíresthai, obter ou ter em partilha, obter por sorte, repartir, donde Moîra é parte, lote, quinhão, aquilo que a cada um coube por sorte, o destino. Associada a Moîra tem-se, como seu sinônimo, nos poemas homéricos, a voz arcado-cipriota, um dos dialetos usados pela  poeta Aîsa. Note-se logo o gênero feminino de ambos os termos, o que remete à idéia de fiar, ocupação própria da mulher: o destino simbolicamente é "fiado" para cada um. De outro lado Moîra e Aîsa aparecem no singular e só uma vez na Ilíada, XXIV, 49, a primeira surge no plural.

O destino jamais foi personificado e, em conseqüência, Moîra e Aîsa não foram antropomorfizadas:  pairam soberanas acima dos deuses e dos homens, sem terem sido elevadas à categoria de divindades distintas. A Moîra, o destino, em tese, é fixo, imutável, não podendo ser alterado nem pelos próprios deuses. Há, no entanto os que fazem sérias restrições a esta afirmação e caem no extremo oposto: ´Aos olhos de Homero, Moîra confunde-se com a vontade dos deuses, sobretudo de Zeus. É bem verdade que em alguns passos dos poemas homéricos parece existir realmente uma interdependência, uma identificação da Moîra com Zeus, como nesta fala de Licáon a Aquiles:

'E a MOÎRA fatídica, mais uma vez, me colocou em tuas mãos: parece que sou odiado por ZEUS pai, que novamente me entregou a ti…'

…As Moîras são a personificação do destino individual, da "parcela" que toca a cada um neste mundo. Originariamente, cada ser humano tinha a sua moîra, a saber, "sua parte, seu quinhão" de vida, de felicidade, de desgraça…

…Impessoal e inflexível a Moîra é a projeção de uma lei que nem mesmo os deuses podem transgredir, sem colocar em perigo a ordem universal…

Essa Moîra, sobretudo após as epopéias homéricas, se projetou em três Moîras: Cloto, Láquesis e Átropos, tendo cada uma função específica, de acordo com sua etimologia:
CLOTO, em grego (Klothô com o aberto), do verbo (klóthein), fiar, significando, pois, Cloto, a que fia, a fiandeira. Na realidade, Cloto segura o fuso e vai puxando o fio da vida.

LÁQUESIS, em grego (Lákhesis), do verbo (lankhánein), em sentido lato, sortear, a sorteadora: a tarefa de Láquesis é enrolar o fio da vida e sortear o nome de quem deve morrer.

ÀTROPOS, em grego (Átropos) de a (a , "alfa privativo"), não, e o verbo (trépein), voltar, quer dizer, Átropos é a que não volta atrás, a inflexível. Sua função é cortar o fio da vida…"

<b>MITOLOGIA GREGA VOL.I</b>; Junito de Souza Brandão; pgs.140,141,230,231

Gimli que anteriormente descrevera da hospitalidade de seu povo e de seu primo Bahlin ,encontra restos mortais de um anão e lamenta a morte do primo. Aliás o nome Bahlin (não sei a grafia correta) traz uma referência ao baalim. E baalins são os seguidores do deus Baal. No Antigo Testamento há referências bíblicas sobre este deus opositor a Javeh. Estas são algumas referências : Juízes 2;13 – 1 Reis 19;18  – 2 Reis 10;19

O nome do primo de Gimli traz um sentido de alguém, ou um povo provavelmente que seguia a um deus instintivo e primitivo, tal como Baal do Antigo Testamento, no caso aqui o Balrog seria este deus. Balrog personifica a ganância auto-destruidora dos anões. Gandalf se refere ao Balrog como um demônio do mundo antigo, logo mundo antigo, logo Antigo Testamento (Baal). Os anões de Moria foram um povo que viveram aprisionados pelas garra destrutivas e hostis do Inconsciente. E assim como Pippin perturbou as profundezas no lago, o ato simbólico de confrontação com o que está oculto na sombra se repete, desta vez em um poço. Uma batalha ocorre entre a Sociedade, orcs e um troll.

Em seguida o grupo foge dos orcs e encontram o antigo demônio, deus dos anões. Mas na verdade este é mais um dos desígnios abençoadores do Inconsciente. Gandalf compreende que sua hora chegou, é a hora do sacrifício. E aqui há mais uma semelhança no nome do local onde estão situadas as Minas dos Anões. Moriá é o nome da terra onde se localizava o monte onde Javeh ordenou que Abraão sacrificasse seu filho Isaque. Abraão teria de abrir mão de seu filho, teria de abrir mão do desejo egoístico que certamente não teria nenhum prazer em sacrificar seu filho. Embora Abraão não tenha sacrificado seu filho no Monte Moriá, ele sacrificou seu próprio ego, ouvindo a voz do Inconsciente. (Gênesis 22; 1-19.)

Abraão em Moriá sacrificou seu ego. Gandalf em Moria sacrificou seu ego também. É tempo de confrontar sua sombra, embora ele diga em vão: "Volte para a sombra!" Mas não é o conteúdo hostil que deve descer as profundezas das trevas novamente, e sim Gandalf quem deve realizar a catábase. O mago se rende, sabe do propósito transformador que tal experiência lhe proporcionará. Já o resto da Sociedade, não entende os propósitos de Eru, tanto que o velho sábio em uma postura de altivez, digna de tal arquétipo, diz a Frodo: "Corram seus tolos!" Tolos? Sim, pois não entendem a visão e o propósito da totalidade do Self.

O grupo lamenta e seguem  para o refúgio revitalizador da Floresta de Lórien, o reino da Dama da Floresta. A Grande Mãe da Terra Média, a anima de Frodo; Galadriel. Em Galadriel vemos a dualidade da anima, quando a mesma é testada, e passa pelo teste. O grupo recebe presentes dos elfos; as capas, as cordas e a luz de Elendil entregue a Frodo: "Que haja uma luz para você no escuro quando todas as outras se apagarem."

A Sociedade parte de Lórien. Boromir sucumbe frente ao desejo de poder. Antes de morrer porém, consegue se redimir, seu papel está cumprido na jornada. Boromir fora destinado a dispersar os hobbits. Tal dispersão teve o objetivo de encaminhar Merry e Pippin aos Ents e Frodo e Sam até Mordor. Mais um vez vemos a atuação das Moîras. Talvez uma frase de Gandalf sintetize bem o que ocorreu desta segunda parte em diante, até o fim  da jornada: "Assim como todos os que testemunham tempos como este, mas não cabe a eles decidir. O que nos cabe é decidir o que fazer com o tempo que nos é dado."

Salmos 139; 16: "os teus olhos viram o meu corpo ainda informe. Todos os dias que foram ordenados para mim, no teu livro foram escritos quando nenhum deles havia ainda."


BIBLIOGRAFIA:

BRANDÃO, Junito de Sousa . Mitologia Grega / Vol. 1. Petrópolis. Vozes. 11ª ed. 1997.

CHEVALIER, J & GHEERBRANT, Dicionário de Símbolos. 14ª ed. Rio de Janeiro. José Olympio. 1999.

Textos da Bíblia Sagrada :

Gênesis 22; 1–19.

Juízes 2; 13.

1 Reis 19; 18.

2 Reis 10; 19.

Salmos 139; 16.

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